Hoje o relator da reforma previdenciária, o deputado Arthur Maia deverá ler seu parecer na comissão da reforma. Os tempos de crise são tempos de mudanças. Não há dúvidas de que o Brasil precisa rever o seu sistema previdenciário, mas, diante de tema tão complexo e importante, o bom senso e equilíbrio devem prevalecer. Generalizar opiniões de forma indiscriminada, desconhecendo os detalhes não contribui para o bem comum. As recentes declarações do relator, vêm causando grande preocupação entre aqueles que trabalham e dependem do Sistema Único de Saúde. Suspender a imunidade previdenciária das instituições filantrópicas poderá causar o colapso do sistema.
Antes mesmo que desinformados imaginem que tal imunidade seja uma benesse, uma regalia sem nenhum retorno para a população, é bom que saibam que ela é concedida a instituições caritativas, que não visam nem distribuem lucros e foram criadas tão somente para cobrir as lacunas deixadas pelo Estado no que tange à assistência coletiva. Em geral, à parcela mais necessitada da população. A dita imunidade previdenciária representa tão somente uma desoneração frente à contraprestação de serviços, na maioria das vezes, praticados por valores deficitários. Além disso, ela não gera prejuízo ao erário. Na realidade, se analisada com cautela, traz vantagem para o país. Um estudo recente publicado pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF) mostra que, no setor de saúde, a cada R$ 100,00 de desoneração, a população é beneficiada em mais de R$ 635,00 pelas filantrópicas. Ocorre que esses R$ 635,00 não circulam nos cofres públicos, vez que são transferidos diretamente à população na forma de serviços. Algo nem sempre percebido em tempos de vacas magras por um poder público preocupado em equilibrar suas contas.
Logo quando o SUS foi criado se percebeu que o poder público não seria capaz de fazê-lo sozinho. Na realidade, ao nascer, o SUS já encontrou uma rede de Santas Casas que há quatro séculos já fazia o que dali em diante passaria a ser dever do Estado. Segundo Constituição de 88, as instituições filantrópicas participariam do SUS de forma complementar. Quase três décadas depois, o complementar tornou-se a regra. No Brasil, a rede que deveria ser complementar possui 1.787 hospitais, oferta cerca de 70% dos leitos do SUS, realiza 53% dos atendimentos. Na Bahia, o cenário não é diferente. O setor é responsável por 76% dos leitos existentes. São 12 milhões de atendimentos ambulatoriais, 94% das cirurgias oncológicas, 75% das cirurgias oftalmológicas. Mais de 50% dos transplantes.
Prestar serviço ao SUS é economicamente inviável. Por isso agentes privados lucrativos não se interessam por esse “filão”. São raras as empresas privadas que prestam serviço hospitalar ao SUS. E quando o fazem, fazem em caráter de exceção, sempre com o cuidado de proteger o capital investido e garantir o lucro. Suspender a desoneração previdenciária das instituições filantrópicas significaria inviabilizar todo um setor. Para o Hospital Martagão Gesteira, que há 53 anos enfrenta toda sorte de intempérie para cumprir a sua missão de assistir às crianças carentes da Bahia, seria uma sentença de morte. O mesmo destino de centenas de Santas Casas de Misericórdia Brasil a fora. Para o SUS, significaria condenar à inviabilidade 70% dos seus leitos e 53% dos seus atendimentos. As consequências seriam sérias.
Enquanto essa ameaça paira sobre nós, nos resta orar ao ícone da filantropia no Brasil, ao anjo bom da Bahia, que Irmã Dulce interceda por nós!
Carlos Emanuel Melo é Presidente da LABCMI, mantenedora do Hospital Martagão Gesteira